Qual é o destino das quantias em dinheiro entregues para reserva da compra de imóvel em Portugal ?

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O meu escritório em bordéus recebe regularmente constituintes franceses ou portugueses a viverem em França que se encontram em litígio com os vendedores de imoveis e as agências imobiliárias que recusam restituir as somas recebidas no quadro da compra de um imóvel em Portugal, quando a dita compra não é levada a cabo. Com efeito, a escritura pode não ser outorgada entre as partes por várias razões. Podemos mencionar a título de meros exemplos a ausência de vontade de assinar o contrato-promessa de compra e venda depois de ter pagado uma reserva para a compra de um imóvel, a caducidade de tal contrato derivada de uma cláusula suspensiva de obtenção de crédito ou da licença de construção ou ainda a recusa de outorgar a escritura, etc. Resulta da recorrência de tais situações litigiosas o interesse de dar elementos de resposta a questão de saber qual será o destino jurídico das somas pagas na fase pré-contratual. Como é conhecido em matéria de direito não há resposta simples. Tudo depende na realidade da qualificação jurídica que será atribuída pelo Juiz ao montante entregue pelo comprador ao vendedor.

Convém, antes de mais, relembrar o artigo 441.° do Código civil português que preceitua que “No contrato-promessa de compra e venda presume-se que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço”. Por conseguinte, salvo disposições contratuais expressas em contrário, na fase contratual do contrato-promessa de compra e venda a entrega de uma quantia em dinheiro é qualificada de sinal com as consequências plasmadas nos números 1 e 2 do artigo 442.° do Código civil. De notar que o n°1 do dito artigo dispõe que “quando haja sinal, a coisa entregue deve ser imputada na prestação devida, ou restituída quando a imputação não for possível”. Quanto ao n°2 prevê que “quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele a faculdade de exigir o dobro do que prestou, (…)”. Assim, exceto requerer-se alternativamente o direito à execução específica do contrato pautado pelo artigo 830.° do mesmo Código, em caso de não cumprimento pelo vendedor, o sinal é restituído em dobro ao comprador a título indemnizatório. Se na fase contratual a situação jurídica está estabelecida, a questão da entrega de uma reserva em dinheiro antes de assinar o contrato-promessa de compra e venda apresenta-se de maneira mais incerta porque as partes encontram-se numa fase pré-contratual de perfeição da declaração negocial. No entanto, a jurisprudência oferece-nos algumas luzes nesta matéria.

Convém salientar o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido em 24 de novembro de 2022, que veio confirmar um precedente acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24 setembro de 2014. A explanação jurídica contida na sentença traz-nos elementos de resposta à problemática em apreço. O caso é o seguinte: um membro da comunidade Ismaili deslocou-se a Portugal durante a visita do príncipe Aga Khan. Nessa altura foi-lhe apresentado um negócio de compra de um terreno pelo preço de 5.200.000 €, apenas o plano de pormenor aprovado. No intuito de reservar o terreno este entregou 52.000 €. Quando lhe foi apresentado o contrato-promessa de compra e venda, conforme instituído no documento de reserva, ele recusou assinar e exigiu a devolução da quantia que tinha entregado a título de reserva, o que foi rejeitado pela vendedora.

O Tribunal decidiu que o documento de reserva constituía um mero acordo intermédio, realizado no âmbito das negociações, que não podia ser qualificado de contrato de promessa no sentido do artigo 410.° do Código civil por falta de cumprimento dos requisitos legais quanto à forma. Em consequência, não se comprovando que houve culpa do comprador a através da figura jurídica da responsabilidade civil pré-negocial, edificada pelo artigo 227.° do Código civil, não pode o mesmo ser condenado a perder a referida quantia entregue, a qual, pelo contrário, lhe deve ser restituída. A questão que fica em suspenso, e que será tratada na próxima crónica, é como mitigar o risco de insolvência do vendedor que dificultaria a efetividade da restituição.

Dr. Pedro Emanuel de OLIVEIRA
Advogado

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